ANNA é capa da revista House Mag especial de 10 anos

Matéria de capa publicada na revista impressa House Mag edição #46

POR Gabriela Loschi

Sucesso mundial ao apostar numa sonoridade reconhecidamente própria, a DJ trilhou por caminhos sólidos para atingir o patamar que poucos artistas brasileiros já alcançaram.

 Outubro de 2016. Pacha Ibiza lotada. Na plateia, alguns dos artistas mais importantes da cena mundial. Do palco, o anúncio do seu nome ecoou: ANNA! Assim foi divulgada, em uma noite especial de gala na ilha espanhola, a vencedora da categoria Artista Revelação 2016 do DJ Awards. Ao receber o troféu, nossa brasileira foi aplaudida por nomes como Maceo Plex, Matador e Carl Cox. 

Essa e outras grandes conquistas em 2016 — se posicionou entre as dez melhores artistas de techno no Beatport e teve todos os lançamentos no TOP 10; foi eleita melhor DJ Underground pelo Rio Music Conference; teve gigs no Tomorrowland e no UMF Brasil; e foi a única mulher e brasileira convidada a tocar com Solomun no projeto “+1” em Ibiza — poderiam nos fazer supor que a frase “a nova promessa do techno”, que poderia muito bem ter sido proferida recentemente pela imprensa internacional, é um “título” já conferido a ela há mais de uma década por um assertivo jornal mato-grossense.

Naquela época, Ana Lídia Flores Miranda assinava como Anali e tocava na Six, boate do pai em Amparo, interior de São Paulo, sua terra natal. Foi nesse ambiente vibrante e hedônico do club que seus olhos brilharam e se mostraram críticos pela primeira vez, ao observar a repetição recorrente da seleção musical nos sets de um dos residentes. “Por que você não vai lá e toca, então?”, estimulou seu pai. Pronto! Com 14 anos ela passou a comandar 1500 pessoas na pista com a naturalidade de quem não poderia ter outro destino.

Hoje, aos 31, ANNA tem lançamentos nos selos mais respeitados do mundo, como Diynamic, Kraftek, Turbo, Suara, Terminal M, Circus e Octopus e, se não bastasse figurar no TOP 10 do Beatport com todos os seus releases de 2016, sua faixa “Odd Concept” ainda ficou entre as dez mais vendidas de techno no ano.

Mas se alguém pensou que o ano que passou foi o seu auge, 2017 já começou com dois anúncios especiais: foi convidada a levar seu techno para o aclamado Movement, em Detroit, onde pouquíssimos brasileiros já passaram, além de um b2b com Monika Kruse no Festival Awakenings, em junho. Com o semblante suave e a voz serena da maturidade, ANNA bateu um papo com a gente por Skype direto de Barcelona, onde vive com o marido, amigo e companheiro, Wehbba.

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Oi Anna! Como está sua rotina nesse momento em Barcelona?

Estou bem focada no trabalho e tenho viajado muito, então preciso aproveitar o tempo que tenho em casa para trabalhar no estúdio. Mas tento balancear um pouco pra curtir a cidade, fazer esportes e pequenos passeios dentro da Espanha mesmo, mas não é sempre que consigo.

Já que começamos a falar em estúdio, conte sobre o processo de construção dele e quais os seus equipamentos preferidos.

Tenho meu estúdio em casa, construído por mim e pelo Wehbba. Se um dia nos separarmos, vai metade pra cada [risos]. Ao mudar pra Europa, comprei muita coisa, e hoje tenho o melhor estúdio que já tive. Nada nele fica parado, pois todos os equipamentos que estão aqui são meus preferidos, mas vou destacar a bateria Analog Rythm, o Beatstep Pro, Prophet 6, Virus TI, Super Jupter e um pedal da Eventide chamado H9 Max que acabei de comprar.

Você começou a tocar bem nova no club do seu pai e grande parte da sua família trabalha na indústria. Já teve dúvidas de qual caminho seguir ou foi realmente muito natural?

Foi tudo natural. Vivi essa atmosfera de club desde muito cedo, e me lembro de ir ver meu pai tocar em algumas oportunidades. Às vezes ia com ele para São Paulo e ficávamos horas escutando música na galeria 24 de Maio. Ele sempre voltava com um case de vinil cheio, e eu adorava. Chegava da escola e passava o dia todo praticando na casa da minha avó, que era onde ficavam todos os equipamentos do club. Sinto que tive muita sorte em ter encontrado um trabalho que amo tanto, com apenas 14 anos de idade.

Como foram suas descobertas artísticas até experimentar o techno pela primeira vez?

No começo mixava de tudo. Após dois anos comecei a me interessar pela pista alternativa que tinha no club. O que despertou essa vontade foi ver o Marky tocando: eu me apaixonei pela música e pela atmosfera que ele criava e decidi que queria ser DJ de música underground. Depois de um tempo pesquisando e descobrindo artistas e estilos diferentes me achei no techno, ao ouvir muito Jeff Milss, Carl Craig, Josh Wink, Laurent Garnier, Underground Resistance, Plastikman, Carl Cox e tantos outros.

Você começou a ser reconhecida principalmente quando sua música foi tocada por nomes como Carl Cox, Richie Hawtin e Solomun. Como a mudança para Barcelona ajudou, nesse sentido, e que principais razões te levaram a tomar esta decisão?

No Brasil as coisas não estavam acontecendo. Eu não tinha muitos shows, não tocava exatamente o que queria, e estava desestimulada com a cena. Então tive um pequeno sucesso com a faixa “Keep Going”, e através dela recebi o convite de entrar para a agência IMD em Londres, onde conheci minha manager, Leticia. Nos demos muito bem e pouco tempo depois fomos trabalhar na agência Safehouse Management, de Carl Cox, Nicole Moudaber, Cassy, John DigweedFoi quando decidi me mudar pra Europa, sem saber se teria gigs o suficiente para me manter aqui, pois as coisas ainda eram incertas. Mas não tive dúvidas e tudo deu certo, graças a Deus.

Hoje o seu som é muito bem aceito no Brasil, mas nem sempre foi assim. Qual o conselho que você da pra essa garotada que acha que não vai conseguir se encaixar no mercado?

Não vejo problema nenhum em seguir conselhos e se adaptar ao que está na moda. O que acho prejudicial é um artista ir apresentar sua visão (que muitas vezes é interessante) para os agentes, promoters, e ser totalmente desencorajado. Temos que apoiar novas ideias e dar incentivo se quisermos ter uma cena mais rica. Você precisa ter uma visão, e se comprometer com ela. Quando me aconselhavam a fazer bootlegs, por exemplo, eu jamais considerei, pois tinha bem claro o que queria, mesmo que não estivesse dando certo naquele momento, era a minha arte, minha verdade. É preciso ter identidade, ser firme, paciente.

Enviar demos, como você já fez muito, ainda é um modelo válido?

É superválido. As pessoas não dão atenção no começo, ninguém responde, mas se continuar, uma hora um selo ouve. É importante enviar para os menores também. A Witty Tunes, gravadora que lançou minha faixa “Keep Going”, não era grande, mas me abriu diversas portas. Mandar uma música soando bem é fundamental. Se você ainda não sabe masterizar e mixar, procure alguém que o ajude, e peça feedbacks antes de qualquer coisa nesse sentido.

Se por um lado essa projeção internacional se refletiu na maior aceitação do seu trabalho pelo mercado brasileiro, por outro, o techno atravessa um período de grande evidência no país novamente. Qual a sua percepção da cena hoje no Brasil?

Quando as coisas começaram a acontecer na Europa, isso se refletiu na cena do Brasil e senti que fui mais valorizada no país. De uns três anos pra cá as pessoas começaram a ficar cansadas de ouvir sempre a mesma coisa e abriram a cabeça para outros estilos. As minhas melhores gigs do ano foram no Ultra Music e Warung. Toquei meu som, e fui totalmente eu. Há muito tempo não tocava assim no Brasil.

O que falta no Brasil para que uma cultura mais “underground” se fortaleça e o momento atual não seja apenas mais uma fase?

Sinto falta do interesse para o que não é mainstream. Agora o techno está em evidência, então todo mundo quer ouvir e tocar, até quem não gosta vai acabar fazendo. O problema é a falta de abertura para o diferente, e acredito que seja com o tempo. É preciso mais gente apostar e criar movimentos baseados no que realmente gostam. Temos excelentes exemplos, como Mamba Negra, Capslock, Selvagem, Gop Tun, Subdivisions… Estamos no caminho certo!

Um tema inevitável: as mulheres na cena estão cada vez mais unidas e fortalecidas. Há atualmente uma campanha intensa para bookarem mulheres e termos lineups equilibrados. O que precisa acontecer, para alcançarmos isso?

O lineup é um reflexo da cena toda. Para isso acontecer as escolas de DJ e produção têm que estar equilibradas, os sites de venda de música também e por aí vai. Um amigo que é professor de produção há mais de dez anos me contou que para cada trinta homens há uma mulher nas classes. Eu acho que o caminho é exatamente a união, criação de projetos para que as meninas que estão sem espaço se destaquem e mostrem o quanto são competentes, e inspirem outras jovens e as tragam para a cena. O que mais me incomoda é o preconceito que sofremos até hoje, pois nós temos que provar o tempo todo que estamos na cabine por causa do nosso talento. Já sofri isso algumas vezes, como quando o Christian Smith postou uma foto minha, falando que eu estava indo muito bem. Aí comentaram: “Quem produz ela?”. Se fosse um homem, ninguém escreveria esse tipo de coisa. Hoje temos mais mulheres atingindo o sucesso, porém ainda somos um número inferior, infelizmente. Mas isso vai mudar, pois resolvemos agir.

2016 foi o melhor ano da sua carreira? Quais foram os momentos mais marcantes?

Com certeza! Foi o ano que eu mais toquei e que todas as minhas músicas, a exemplo de “Where Are You Now”, venderam muito bem e entraram no Top10 do Beatport. A gig na Pacha com o Solomun foi um dos pontos altos. O prêmio de artista revelação do DJ Awards foi muito importante, e estar no meio de tanta gente legal da cena como vencedora foi recompensador.

E quem, pra você, fez um grande ano?

Adam Beyer, Apesar de não ser o meu preferido, está na cena há anos e alcançou o topo em 2016 com o Drumcode. Notei que no Brasil todos se interessam pelo selo, é um tipo de techno em alta no país. Ben Klock também se destacou bastante.

Você sente vontade de experimentar coisas novas, outras batidas? Com o que você ainda sonha?

Quero continuar fazendo o meu som, mas sem me limitar muito. O que predomina na minha música é o techno, mas faço deep house, tech house. Meu álbum tem umas músicas ambientes também. Influências novas vão surgir, claro, mas tudo naturalmente. Quando eu treinava no meu quarto, oito horas por dia, nunca imaginei que iria tocar na Europa, com os melhores DJs do mundo e festivais. Isso é muito mais do que sonhei.

O que vem pela frente? Lançamentos, parceria, álbum? 

Estou filmando um documentário com a DJ Sounds há quatro meses, que será disponibilizado em breve, e planejo lançar meu álbum ainda neste ano. Em fevereiro tenho um remix para o Reboot saindo na Get Physical; um release no selo Rukus, com remixes de Matador e Marc Houle; acabei de finalizar um EP em parceria com Pig & Dan que sairá em meados de maio. Muitas novidades estão por vir!

 

Para finalizar ela fez um set de presente para todos nós, e o melhor de tudo é FREE DOWNLOAD: https://goo.gl/aFPhYh

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