Quando nos falamos pela última vez, Bárbara iniciava no Gop Tun Festival a etapa sulamericana de uma turnê relativamente longa que cruzava o Atlântico e terminava na Cidade do México, passando por praticamente todas as capitais mais fervidas do continente. Ela estava radiante naquela chegada ao Brasil que era coroada por uma edição histórica da sua festa Alter Disco, após um período relativamente longo de distância da terra natal, compartilhando efusivamente detalhes de todos os projetos em que estava envolvida no que parecia ser o ápice de uma fase extremamente frutífera, além de estar cautelosamente orgulhosa de manter uma planta saudável em casa.
O entusiasmo que marcou aquela época profícua era, em muitos sentidos, decorrente do cenário imposto pela pandemia havia alguns anos, pois da clausura ela fez uma crisálida, na qual desenvolveu aptidões, reafirmou paixões, cumpriu obrigações e especialmente aprendeu lições. Até ali ela havia mantido um fino equilíbrio entre as demandas do dayjob e as exigências do nightjob, mas os rumos internacionais de sua carreira e a expansão de seu perfil em direção a produção intensificaram uma rotina já bastante atribulada e a exaustão não tardou a se instalar.
O cenário imposto pelo lockdown ela navegou entre Milão e Lisboa após migrar para a Itália em busca de oportunidades (e desafios) em ambas as frentes profissionais, inserindo-se num circuito ainda desconhecido e muito mais competitivo ao mesmo tempo em que mergulhava no aprimoramento de suas habilidades como engenheira civil. Sua rotina por alguns meses oscilava entre os dois mundos, retornando ao Brasil esporadicamente, estudando e tocando de graça em festas e rádios, tecendo uma teia essencial de contatos sobre a qual firmou sua reputação entre um público mais amplo.
E foi bem quando ela começava a sobrevoar paisagens mais auspiciosas, entre elas um Boiler Room no monumental festival Nuits Sonores em Lyon, um slot na programação do irmão caçula do Dekmantel de Amsterdam, Lente Kabinet e inúmeras localidades que fazem o calendário dançante europeu que a SARS-COVID19 se instalou, com efeito devastador sobre esse ecossistema global do qual começava a fazer parte. Mas se aquele período trouxe privações e provações tremendas, também lhe ofereceu a chance de recalibrar energias e reorganizar prioridades
Aproveitando a calmaria no ritmo impiedoso que a fazia ziguezaguear freneticamente entre pistas e provas, ela fez o que era esperado de uma pessoa tão criativamente inquieta quando confrontada com o ócio e dedicou-se a burilar seus talentos no estúdio e o que havia surgido como uma atividade paralela de criar edits para torná-los mais compatíveis com a quantidade colossal de mixes que ela faz consolidou-se como uma nova faceta a ser explorada. E aos poucos, com a mentoria de amigos experientes nos meandros do fazer musical, sua personalidade artística foi florescendo.
Tigresa | Eternal Love & Barbara Boeing | BSR
Desde a primeira incursão no território da produção propriamente dito ao lado dos animados conterrâneos do Eternal Love até sua já consolidada presença no estrelado catálogo da gravadora bávara Toytonics, e notório o amadurecimento dela como artista. Cada faixa é tão expressiva de sua sensibilidade quanto tributária de sua visão como DJ e todos revelam a mesma preocupação constante com a levada que caracteriza seus sets, além de claramente informados pelo afinado ecletismo, uma de suas principais características como seletora.
https://toytonics.bandcamp.com/album/brasiliana-ep
O que é realmente louvável é o fato de que esta metamorfose se deu no decurso de períodos de extrema produtividade como DJ durante os quais ela alfinetou no mapa diversas partes da Ásia e Oceania após ter percorrido quase todo o Velho Mundo e ainda ter contribuído com praticamente todas as séries mais renomadas de mixes online, como o que gravou recentemente para a revista alemã Groove. Provavelmente toda esta agitação teria cobrado um preço alto de alguém tão obstinado mas menos organizado, mas a compartimentalização da vida com a precisão de alguém “de exatas” como ela certamente tem suas vantagens, o que lhe permite pilotar e navegar tudo isso com maestria.
Agora ela se prepara para regressar à terra natal mais uma vez num momento alto de sua trajetória, com outro EP programado para ser lançado e também como anfitriã da edição paulistana de sua própria festa itinerante no mesmo dia. Uma chegada que pode ser considerada triunfal se contarmos a milhagem que ela conta até aqui e os desafios que se interpuseram a ela em um momento ou outro do desenho desse itinerário que sabemos estar bem longe de sua completude e do qual Barbara se orgulha muito, embora não tanto quanto voltar para casa e ver a plantinha não apenas viva, mas vicejando.
Memoir EP | Bárbara Boeing | Toy Tonics
Por Chico Cornejo